Parte 3: O narrador

AVISO
NINGUÉM É OBRIGADO A PERMANECER EM UM JOGO EM QUE VOCÊ ESTÁ SENDO ENVERGONHADO E DESRESPEITADO. O RPG É UMA ATIVIDADE DE DIVERSÃO COLETIVA E DEVE SER DIVERTIDA PARA TODOS. NÃO PERMITA QUE VOCÊ SEJA MAGOADO E MALTRATADO.

Se você está lendo esta parte do livro, quer dizer que os seus amigos o escolheram como o Narrador do jogo. Você tem um papel importante, mas isso não quer dizer que você é mais importante do que eles! Para que uma sessão de RPG seja divertida, é necessário que todos saibam que são importantes, e têm um papel fundamental na diversão do grupo. Entendendo isso, você está pronto para ser um Narrador de RPG.

Nesta parte do livro, vamos passar algumas poucas dicas importantes, para que você conduza seu jogo com sucesso e ao final de uma sessão todos estejam felizes e dando boas risadas sobre as aventuras vividas pelos seus personagens.

Contando Histórias

O Narrador é o responsável por contar a história ou narrar a aventura. Ele vai descrever tudo que está acontecendo, lembrando que é uma história incompleta e quem deve completá-la são os jogadores. E algumas coisas são importantes para que você desempenhe bem o seu papel de Narrador:

1) O Narrador não é inimigo do jogador: lembre-se que o RPG é uma diversão coletiva, e todos têm o direito de se divertir;

2) Combinados do Grupo: todo jogador tem uma história de vida, e seus medos e problemas, então converse sobre as coisas que os jogadores não gostariam que acontecessem durante o jogo. E toda vez que esses temas forem abordados, pare o jogo e lembre do combinado. Regras do local de jogo, vocês vão jogar na casa de algum colega, então respeitem as regras da casa e os adultos. 

DICA: peça para cada jogador escrever em uma folha de papel dois temas que não gostam e que não gostariam de ver no jogo (por exemplo: aranhas, cachorros sendo maltratados). Receba os papéis e guarde a informação para você, pode ser algo que envergonhe o jogador e ninguém mais precisa saber. Combine um código ou gesto com os jogadores para que eles mostrem quando algo o deixou incomodado ou desconfortável, neste ponto pare a narrativa. Pode ser uma boa ideia uma pausa para beber uma água, tomar um refri, comer uns salgados, conversar sobre suas séries favoritas e depois voltar para mesa, e se necessário mude a versão dos fatos que levaram a história até aquela situação.

3) Ninguém sabe de tudo: o narrador não é obrigado a saber de tudo, quando tiver alguma dúvida de regras, faça como nos videogames: dê uma pausa no jogo e consulte o livro. Narrar RPG não é um dom, e qualquer pessoa pode ser um Narrador, basta que pegue o livro leia as regras e convide uns amigos pra jogar; 

4) Acessórios: se quiser, você pode usar música para ajudar a criar um clima no jogo, como se fosse uma série legal. Também tenha a mão um caderno de desenhos para você desenhar os locais mais complicados em que os personagens estejam, como uma casa cheia de portas, ou um labirinto, ou o que mais a sua imaginação mandar. Lembre-se, você não precisa ser um grande desenhista, apenas dar uma ideia de como é o local. E, por último, faça uma listinha com nomes de pessoas que podem aparecer na história, e suas peculiaridades (exemplo: Rebolo, homem gordo de óculos quebrado; Dona Zefa, idosa magra com fala arrastada).

5) Contando a história: como Narrador, os jogadores esperam que você descreva as situações enquanto conta a história: lugares, objetos, cheiros, sabores, pessoas e suas características.

Exemplo: vocês chegam na árvore dos gatos, ela é uma árvore que tem mais de cem anos, com grandes galhos, e quase do tamanho de um poste de energia, em cada galho tem um gato, de todas as cores, marrons, malhados, brancos, cinzentos, pretos, e no centro da árvore tem um grande gato gordo de duas cores, cinza e marrom. Está caindo uma chuva fina, é final da tarde, o cheiro de xixi de gato está em toda parte, e quando vocês chegam perto, o gato gordo dá uma tossida e diz: então vocês querem minha ajuda?

Como é uma Sessão de RPG?

Agora que você chegou até aqui, já tem uma boa ideia do que é RPG, o que o Narrador faz e como se monta um personagem, vamos apresentar um exemplo de uma sessão de RPG para ficar mais claro como funciona o jogo. 

Um grupo de amigos decide jogar uma aventura de Crianças Enxeridas. Marianna será a Narradora, então ela pega uma cópia do livro, alguns dados de vinte lados, fichas de personagens, lápis, borrachas, lê as regras e consegue um local seguro para jogar. E ela convida seus amigos, Thales, Helena e o seu irmãozinho Theo. 

Helena, Tales e Theo serão os jogadores, e vão fazer os personagens seguindo o passo a passo da parte dois deste livro. Eles decidem usar os seus próprios nomes, e vão desvendar um mistério na Rua do Visconde, cenário que acompanha este livro. 

Então, todo mundo com os personagens prontos, a aventura vai começar!

Marianna (Narradora): a Rua do Visconde fica em algum bairro, em alguma cidade do Nordeste do Brasil. Vocês estão contando histórias de mistérios que acontecem na rua, e que aprenderam com os adultos. Vocês, jogadores, podem inventar histórias. 

Helena: eu começo! Existe um bicho na escola velha, que rouba os brinquedos de crianças que não os guardam direito.

Thales: Ei, esse bicho sou eu não! Eu acho os brinquedos na rua, mas eu devolvo quando sei quem é o dono. 

Theo: Meu Pluto estava no quintal e sumiu, e eu vi pegadas estranhas lá. 

Helena e Thales: Pegadas estranhas! Como eram essas pegadas?

Marianna: Vocês vão para o quintal ver as pegadas?

Todos: Vamos sim!

Marianna: Certo, vocês chegam ao quintal. E tem mesmo umas pegadas grandes, parecidas com as de um elefante, e elas vão até o muro que dá para o parquinho da creche.

Thales: São que horas?

Marianna: Fim da tarde.

Helena: Vamos subir no muro para ver até onde vai as pegadas? Vai Thales, você é o melhor nisso. 

Marianna: Thales, você é o esportista, e tem +5 em Corpo, jogue 1d20 e some o resultado do dado com o seu +5 se o resultado for igual ou maior do que 15 você conseguiu. 

Thales: Então vamos lá…. Opa 13, com +5 é igual a 18 consegui. Subo no muro e vejo o que?

Marianna: Você vê que as pegadas vão até a casa do parquinho. 

Helena: Aquela casa do parquinho não é onde apareceu aquele gnomo? Eu sou a Nerd, quero fazer um teste de Mente, eu tenho +7, vou rolar o dado e…. opa 9, com +7, é igual a 16. O que eu sei sobre a casa do parquinho?

Marianna: Você lembra que nas últimas férias apareceu um gnomo na casa do parquinho, e que ele disse a vocês que a casinha é uma toca de coelho, uma entrada para o mundo das fábulas. Theo, você é o Café com Leite, faça um teste de curiosidade. Lembrando que no teste de curiosidade você tem que tirar um número abaixo do seu valor. 

Theo: Eita, minha curiosidade é 6, então vamos lá… 8. Não passei. O que acontece?

Marianna: Você está muito curioso para ir a casinha do parquinho e vai mesmo sem seus amigos. 

Theo: Ei pessoal, eu vou lá buscar meu Pluto, tchau!

Helena e Thales: Não, Theo! E lá vamos nós. 

Construindo Cenários

Este livro acompanha o cenário Rua do Visconde, onde você pode ambientar as suas histórias, mas você pode construir um cenário onde o seu grupo irá jogar, pode ser o bairro onde vocês moram, ou algum cenário fictício que vocês desejam criar coletivamente. Um dos primeiros passos é conversar com os jogadores sobre os locais que eles acham interessantes e que tenham histórias esquisitas, no seu bairro, sejam inventadas por eles, ou pelos adultos para os manter afastados. Após essa conversa inicial, é hora de estruturar a ideia.

Cenário exemplo: Rua do Visconde

Fundado na segunda metade da década de 1980, na zona norte da cidade do Natal, no estado do Rio Grande do Norte, no Nordeste do Brasil, o Bairro Pajuçara foi construído em cima de dunas móveis. É habitado por trabalhadores que vieram para essa região pouco habitada na época de sua fundação, onde os mais diversos causos ocorriam nos seus arredores principalmente na zona rural, que tinha acabado de ser cortada por um bairro residencial. Muitas famílias de recém casados se estabeleceram no local, esses que seriam os pais das crianças interpretadas pelos jogadores, e que irão desbravar os locais misteriosos.

É uma rua bastante peculiar no bairro, primeiro por ser a última rua, e fazer fronteira com a zona rural da cidade, além de ter vários locais de interesse da criançada que nela habitam. Os moradores desta rua relatam desde os primórdios do bairro, fenômenos sobrenaturais misteriosos, tais como: a Caboquinha, uma jovem que teve uma morte misteriosa e vive a chicotear pessoas desavisadas em locais ermos ao pôr do sol; o Batatão, uma cabeça de fogo que aterroriza voando pelos céus; o Fantasma da Creche, dizem que uma criança sumiu sem explicação da creche, e que isso se deve a um fantasma que captura crianças que são esquecidas pelos pais; a Mula Sem Cabeça, um cavalo que teve sua cabeça cortada, e no lugar surgiu uma labareda de fogo, e ele ainda continua vivo; entre muitas outras lendas e histórias do local, além de encontros nada agradáveis com animais selvagens.

Locais Importantes

  • Creche Santa Mônica: é um local que as crianças acreditam ser amaldiçoado, corre uma lenda que uma criança foi esquecida lá, e após uma noite chorando desapareceu. Na verdade é só uma lenda contada pelos adultos para assustar as crianças que insistiam em pular o muro da creche durante a noite. Mas na casinha do parquinho da creche está localizada a “Toca de Coelho”.
  • Rio Doce: saindo da rua em direção a zona rural (Leste) está o rio, muito usado para a diversão das crianças, mas há boatos que uma família de homens-jacarés habita o local.
  • Floresta das Urtigas: há um caminho secreto e mais rápido para o Rio Doce, que é apenas do conhecimento das crianças, é uma intrincada trilha por entre a floresta das urtigas. Essa floresta é habitada por cobras, aranhas e alguns seres sobrenaturais frequentam o local ao cair da noite. 
  • Granja das Mangueiras: No começo da rua (sul) há uma pequena granja que dá para o lado da zona rural, que tem um extenso campo de mangueiras, e um cachorro e uma senhora muito brava com uma espingarda de sal grosso. 
  • Casa Subterrânea: é a sede da turma, onde ocorre as reuniões. É uma estrutura precária subterrânea construída pelas crianças, totalmente invisível aos olhos dos adultos, no quintal da casa de Mari e Theo.
  • Casa Abandonada: no fim da rua (norte) há uma casa que começou a ser construída, mas teve a obra abandonada, devido ao falecimento do proprietário. Algumas pessoas que conheciam o falecido Jeremias, acreditam que o seu fantasma habita a construção. As bolas do campinho sempre teimam em cair nos arredores da casa.
  • Mata dos Cactos e a Lagoa do Sapo: após a casa abandonada, começa a mata dos cactos, com suas inúmeras trilhas e animais selvagens (todo e qualquer teste de orientação nessa mata é feito com desvantagem). Poucos adultos que adentram nesse local, retornam. Mas ao encontrarem a trilha das orquídeas, os aventureiros podem chegar até a lagoa do sapo, com suas águas cristalinas, é o local de uma disputa milenar entre sapos e cobras. A lagoa hoje é território dos sapos, dominada por um sapo bondoso chamado Zé.
  • Igreja e a Praça de São Simão: duas ruas acima (oeste) está a Igreja rodeada por uma praça pública, local de encontro da criançada no fim da tarde, e também de estranhos desaparecimentos ao cair da noite. Dizem que a meia noite uma figura feita de trapos, conhecida como boneca de pano, caça às crianças fujonas para levar ao mundo das fábulas.
  • Obras da redes de esgotos: nas proximidades da floresta dos cactus e do prédio abandonado, está o final da obra da rede de esgotos para a captação das águas das chuvas. Uma imensa cratera a céu aberto, com inúmeras galerias e um labirinto habitado por todo tipo de bichos e criaturas sobrenaturais.
  • Escola dos Sonhos: é a instituição onde as Crianças Enxeridas estudam, geralmente o ponto de partida para todos os boatos. 

Pessoas Importantes

  • Rebolo: um homem que está envolvido com todas as maquinações na rua, sejam elas com coisas naturais ou sobrenaturais;
  • Dona Zefa: uma amável senhora que sempre tem lanches prontinhos para a criançada;
  • Seu Vigia: o guardião da creche, sempre impedindo os meninos de usarem o parquinho, parceiro de Rebolo. Tem um pastor alemão chamado Crocante.
  • Seu Zito: um velho rabugento que vive perseguindo as crianças, furando bolas e reclamando com os pais.

Árvore de Eventos

Uma árvore de eventos é uma espécie de mapa em que as coisas que acontecem na história se ligam umas às outras, parece muito com as árvores genealógicas que montamos na escola. Os eventos seguem do início da aventura (história) ao seu ponto alto (a parte mais tensa e desafiadora), estando tudo interligado. A cada evento na árvore ele precisa de uma solução ou ação para poder avançar para o próximo evento.

COLOCAR IMAGEM DA ÁRVORE DE EVENTOS

Como usar a árvore de eventos?

Os eventos começam de cima para baixo, conforme observado na imagem acima, tem início em contos de mistérios e finaliza em confronto com o vilão. A árvore está estruturada para uma aventura em três partes, mas o Narrador pode adaptar os eventos ao seu interesse e nível de envolvimento do grupo, podendo acrescentar e retirar eventos.

Para cada nível da árvore, o narrador deve esgotar as possibilidades de eventos dela, por exemplo: o jogo começa em Contos de Mistérios, este é um evento em que os jogadores podem fazer uma roda de histórias de mistérios ou sobrenatural; um personagem do Narrador pode estar contando a sua história ou os jogadores assistindo a um filme que vai desencadear a aventura.

Dica de Narrativa 1: o Narrador pode optar por fazer uma roda de Contos de Mistérios com os Personagens dos Jogadores, e pedir que eles rolem na tabela abaixo para escolher aleatoriamente que tipo de história vão contar.

Role 1d20

1 - 4

Conte uma história em que seu personagem é o protagonista.

5 - 9

Conte uma história em que outra pessoa seja a protagonista.

10 - 14

Conte uma história sobre um local do bairro.

15 - 19

Conte uma história sobre um objeto do conhecimento de todos.

20

Escolha o tema da sua história, e quem deve participar. 

Dica Narrativa 2: o Narrador pode optar por fazer uma dinâmica de montagem, em sentido horário, começando pelo jogador que tirar o menor valor no d20. Ele começa a história contando um problema, e o jogador à sua esquerda tem que apresentar uma solução para o problema, e um novo problema para o jogador à sua esquerda. A dinâmica deve seguir até um problema chegar ao jogador que começou com a dinâmica. 

Exemplo: Mari começa a história contando sobre um objeto amaldiçoado na casa dos Barbosas, e que ele tem atraído fantasmas para a Rua do Visconde, que causam pesadelos e não deixam as pessoas dormirem. Ela passa a história para Thales, que descreve como solução a incursão do grupo até a casa mal assombrada para quebrar tal artefato; mas que tal aventura liberou um ser sobrenatural. Thales passa a história para Theo, que descreve como solução expulsar a entidade pela Toca de Coelho, que fica no parquinho da creche; mas expulsar a entidade deu uma bagunçada no mundo das fábulas, e os personagens devem ir pôr as coisas em ordem. Assim o problema retorna para Mari, e ela tem que propor uma resolução. 

Após finalizada essa cena introdutória, o grupo pode passar para o próximo evento, que pode ser Objeto/Pessoa Desaparece, alguém foi beber água ou pegar um lanche e sumiu, ou alguém invade o local onde o grupo está a procura de algo/alguém e relata o desaparecimento. Com a solução dessa situação, o grupo parte para o evento Atitudes Esquisitas, alguém do grupo (personagem ou PdN) pode ter reações estranhas a notícia. 

O grupo também pode optar por começar pelo evento Atitudes Esquisitas e depois partir para o evento Objeto/Pessoa Desaparece. Não existe uma linha de sequência nesta árvore de eventos, o importante é o Narrador esgotar todos os eventos de uma linha antes de avançar para a outra.

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